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Entrevista - Isabel Moura Pinto - Uma Força da Natureza!

 

Fotografia de Elsa Vidigal

Bom dia!

Hoje deixo-vos a ultima entrevista do mês de Março de 2024. 
Neste dia tão importante para mim, tinha de trazer ao blog alguém ligado à arte do teatro e à cultura em si .
Trago-vos então a Isabel Moura Pinto, uma mulher de uma garra incrível, uma consciência cultural fantástica e uma inspiração!
Conhecia-a em 2022 numa reunião de um projecto teatral e nunca mais nos "deslargamos". 
Se hoje faço parte do TEO - Teatro Experimental de Odivelas, o devo ao convite da Isabel.
Deixo-vos então a entrevista.


- Quem vive na zona de Odivelas a tua cara já não é estranha, mas para quem não te conhece, quem é a Isabel Moura Pinto?

Apaixonada desde sempre pelo teatro. A Beatriz Costa era prima da minha mãe e como era uma celebridade talvez isso me tenha influenciado. De qualquer forma, era uma criança solitária e distraía-me sozinha criando personagens. O teatro também esteve presente na minha vida académica. Estive 10 anos fora e desde que regressei a Odivelas comecei a participar activamente na vida associativa. Estive 6 anos na direcção da Sociedade Musical Odivelense (SMO) onde criei um grupo de teatro infantil e depois disso comecei a concretizar o desejo de pisar o palco.  Fui convidada para o GTAAR[AP1]  da ES da Ramada, depois participei no projecto de teatro da Casa da Juventude da CMO o Expressões e Impressões, durante 6 anos, onde também fiz encenação.

A minha cara é conhecida, ligada SEMPRE ao associativismo, ao teatro e ao empenho probono. Porque fazer bem faz bem! Desde criança que fui educada a pensar que quando temos mais assiste-nos o dever moral de ajudar a quem tem menos. A consciência de que vivemos numa sociedade que está longe de ser igualitária, aliada aos exemplos que recebi na minha infância, despertaram em mim o dever de serviço comunitário.

- Desde quando sentiste necessidade de estares ligada à cultura?

Quando regressei a Odivelas já tinha a minha vida mais organizada de modo a poder ter tempo para dedicar aos outros. Acho que isso é muito importante para quem vive em comunidade e quer ter um papel activo na construção de uma sociedade melhor. Procurei assim servir a comunidade e ingressei numa organização que fazia recolha de bens alimentares para os carenciados. Inscrevi-me num coro e foi aí que comecei a dedicar-me à cultura.

Como sou muito pró-activa fui convidada para a direcção da Associação, o que me proporcionou conhecimentos mais abrangentes.


- Achas que a cultura, seja ela qual é, está acessível a todas as pessoas, a todos os extractos sociais?

A cultura é o alimento intelectual de uma sociedade. A cultura surge de tantas e diversas formas que é, per si só, uma actividade abrangente; falamos de teatro, literatura, canto, dança, música e muitas outras acções. Eu não tenho de gostar de dança contemporânea para me considerar uma pessoa culta. Mas a cultura deve ser promovida para educar as pessoas, despertá-las para o agradável e sublime.  E o gosto cultiva-se!


- Existe liberdade de expressão culturalmente nos dias que correm, ou achas que ainda existem uns fantasmas escondidos?

Não. A liberdade de expressão não existe! Há regras sociais que devem ser cumpridas por quem vive em sociedade. Infelizmente nem todos têm o mesmo grau de educação, quer familiar quer académica e não somos educados para respeitar a opinião dos outros ou para nos pronunciarmos livremente de uma maneira que não agrida a forma como os outros pensam. As palavras são poderosas e devemos pensar antes de falar e ofender ou magoar os outros. Eu inibo-me muitas vezes, por ter consciência que não posso falar livremente, no receio de ser agredida verbalmente por ter ideias diferentes. E como não sou masoquista…

- E o Teatro, o que representa ele para ti?

A fantasia. Alimentar a criança do faz-de-conta que existe em nós. A criatividade. A mensagem. O dever de instruir e o de divertir nos tempos mais conturbados.


- Gostas de subir ao palco, ou preferes ficar no backstage?

Gosto do palco, mas realizo-me mais no backstage. Sei que sou perfeccionista e se só estiver no palco não controlo todos os detalhes que são necessários para um excelente espectáculo; os adereços, o guarda roupa, a gestão emocional do grupo …

- Quando pensas num novo espectáculo de teatro, em que te inspiras?

Sempre no aspecto lúdico e divertido. Como historiadora quero transmitir conhecimentos às pessoas (com destaque para a História de Odivelas, naturalmente) mas quero também que saiam do espectáculo com a sensação que aprenderam e se divertiram.


- És uma das fundadoras da We4 e directora artística do TEO (Teatro Experimental de Odivelas), em que consistem ambos os projectos?

A necessidade de criar um grupo onde a criatividade e a liberdade do grupo se pudessem exprimir e fosse soberana, sem restrições ditadas por entidades que não entendem a dinâmica e a parte técnica e logística do teatro, presidiram à criação da We4.  Uma associação cultural sem fins lucrativos que alia a autonomia nos projectos e o acesso a recursos institucionais, a fundos comunitários e outros tipos de apoios que não tinha enquanto particulares. O teatro tem despesas inerentes, mesmo sendo modesto e gerido logisticamente para conseguir o mínimo de encargos possível; as receitas da We4 são naturalmente limitadas e a Associação, enquanto produtora, pode agilizar os processos financeiros e logísticos necessários para o TEO.


- Achas que o Teatro Amador em Portugal está num bom caminho ou ainda existem muitos lobbies pelo caminho?

Acredito piamente que a Cultura está sobrevalorizada na sociedade portuguesa. O teatro é uma das vítimas deste autismo institucional. Um povo culto não é tão facilmente manipulável, portanto, ao poder institucionalizado não interessa que o povo seja educado e culto. As sociedades que têm acesso à informação não editada, manipulada e à cultura são sociedades participativas cívica e politicamente.

Quanto ao teatro amador, tenho tentado contribuir para desmistificar o “amadorismo” negativo. O preconceito que é teatro “rasca”, sem qualidade é desmistificado quando se apresenta um trabalho de qualidade e com o máximo rigor possível. Em diálogo com os actores profissionais com que me tenho cruzado em projectos de formação e teatro comunitário, tenho demonstrado que o teatro dito amador tem o crédito de levar as pessoas a gostarem de teatro, levando-as naturalmente às salas de espectáculo. Acabam por reconhecer a mais valia da “sementinha” teatral e concordar.


- Acreditas que o segredo de um bom espectáculo passa também por ter uma equipa coesa, ainda que muito diferente culturalmente?

Uma equipa ecléctica enriquece naturalmente qualquer projecto em grupo. Nem todos têm os mesmos conhecimentos, as mesmas vivências e experiências. Se tens um grupo que “cresceu” contigo (há elementos que começaram com 9 anos e agora já têm vintes) e atingiu a maturidade emocional no grupo de teatro isso vai criar um espírito de equipa e de coesão. É o “sitio seguro” onde estás entre amigos e conhecidos sem vergonhas, sem constrangimentos, sem preconceitos. Se esse ambiente emocional existe o grupo funciona como um todo. Sou uma privilegiada porque tenho a sorte de ter ao meu lado pessoas que partilham esta paixão comigo e que são essenciais para o êxito quer da We4 quer do TEO.


- Qual é o teu próximo projecto (ou projectos) que vais apresentar?

Tantos…. Difícil é ter de decidir quais vão avançar. Há que considerar que não podem ser obras que impliquem direitos autorais, pois isso vai ser uma condicionante financeira. 

Para um grupo de teatro como o TEO, não há receitas garantidas, logo há que ter muito cuidado com as despesas. É um equilíbrio frágil que, por vezes, é ameaçado e que eu tento sanar, assumindo os encargos financeiros, a título de doação. Outra maneira é ter textos originais. 

Depois deverá ser considerado o capital humano que estamos a gerir; num grupo de 30 pessoas tento arranjar mais que uma peça onde possam todos participar. Isso aconteceu com as “Marias e outras” onde estavam 19 pessoas em palco, concomitantemente com outra peça ensaiada “Falar Verdade a Mentir” onde estavam os restantes elementos. 

No caso das “Marias”, criei um sistema onde podia distribuir as falas por mais elementos ou, se necessário, limitar as faltas caso alguém faltasse. Desta maneira o espectáculo teve uma dinâmica onde, em cada actuação, havia sempre coisas diferentes a acontecer em palco.

Naturalmente há peças que eu adorava levar a palco; “Quem tem medo de Virgínia Wolf?” e “A Farsa de Inês Pereira” são dois dos produtos que gostava de encenar.


- Mesmo em momentos delicados a nível de saúde, sempre te mantivesse activa? Qual é o segredo dessa perseverança?

O “meu” cancro foi mais uma experiência de vida. Mais um desafio. Um problema que tinha de ser tratado e que prenunciava um processo demorado. Tomei algumas providências pedindo a elementos do grupo que encenassem quando eu não pudesse ir. A minha maior preocupação era que o grupo se desagregasse. A “minha” família do teatro é mais importante que muitos elementos da minha família de sangue. Não conseguia imaginar o meu futuro sem eles …

Foram eles que me deram força e motivação para me arrastar para os ensaios, sabe Deus em que condições. O carinho, a preocupação genuína, a necessidade de uma “normalidade”, foram essenciais para o meu processo de cura.

- Deixa-nos uma frase que gostes e que te acompanhe...

Carpe diem! Cada vez mais deves viver o presente porque o passado já foi e o futuro é uma incógnita.


- Deixa-nos uma música para acompanhar esta entrevista?

I have a dream – Abba.


Nunca é demais dizer obrigado!

Beijos e abraços.
Sandra C.

Comentários

  1. Uma bela entrevista que gostei de ler. Cumprimentos poéticos

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  2. .
    Uma Páscoa com saúde e Paz... || Desejo que todos tenhamos uma Santa e Feliz Páscoa, extensivo a todos os nossos, e vossos Familiares e Amigos. Saúde e Paz para todo o Mundo, que bem precisa.||
    .
    Fraterno Abraço

    ResponderEliminar
  3. Obrigada por partilhar. Bom domingo!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

    ResponderEliminar

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