Hoje trago-vos um novo relato de alguém que nasceu no ano de 74. Esta história é especial, por várias razões. Porque conta as memórias de alguém que não nasceu em Portugal e que aqui chegou estava este nosso país a ferro e fogo. Também porque numa fase delicada, abre as portas do seu coração para falar de um amor maior, como é o amor a um pai.
"Nasci no ano de 1974, o ano da Revolução de 25 de Abril, nesse dia estava na barriga da minha mãe. Nasci na Beira, em Moçambique, não tenho memórias da terra onde nasci, pois vim para Portugal ainda bebé. Gostava de um dia voltar, talvez o cheiro faça faísca nas recordações.
As origens:
O meu pai – moçambicano, com ascendência goesa - veio estudar para Portugal, conheceu a minha mãe – portuguesa - e começaram uma vida conjunta em Portugal. Porém, por motivos familiares, ele teve de regressar a Moçambique e a vida deles continuou num outro país - um país colónia de Portugal. Eu e os meus irmãos nascemos na Beira, eu sou a mais nova.
Memórias:
Apesar de não ter memórias minhas, fazem parte do meu crescimento muitas narrativas. Ao longo dos anos, fui ouvindo muitas histórias sobre a Beira: sobre a nossa vida, sobre a infância do meu pai, e outras tantas. Muitas dessas histórias são felizes, principalmente as da infância do meu pai, mas outras são complicadas, tristes, revoltadas e até solitárias, como as histórias sobre a Guerra Colonial, sobre essas o meu falava muito pouco, foi algo que o marcou para sempre.
O Regresso:
Regressamos a Portugal em 1975, foi preciso tratar de tudo rapidamente, a insegurança era sentida a cada esquina. Eu tinha um ano e meio - eu, os meus irmãos e a minha mãe viemos primeiro, o meu pai regressou a Portugal meses mais tarde e quando chegou eu não o reconheci e não queria nada com ele. Hoje tenho 46 anos, e esse momento durou só alguns segundos da minha vida, o meu PAI tornou-se na pessoa mais importante no meu crescimento, ensinou-me tanto, principalmente a ser sempre melhor, a valorizar o lado bom das coisas e a sonhar. O meu PAI partiu há uns dias, neste abril, as saudades serão para sempre, mas as memórias também.
O regresso a Portugal foi complicado, os meus pais tiveram de recomeçar tudo outra vez, com 3 filhos. A Revolução de 25 de abril pôs fim a um regime, pôs fim a uma Guerra, trouxe liberdade e independência. Enquanto muitos respiravam esperança, outros sentiam a dor, a insegurança, a perda de uma vida e a angústia de um futuro incerto.
Mas a verdade é que o que estava para trás estava errado, muito errado. O poder que muitos acham que podem ter sobre os outros, o sentimento de superioridade, de ganância, está e sempre estará errado.
O que mudou na minha vida após Revolução de 25 Abril?
Eu nunca pensei muito sobre o que mudou na minha vida, ou como teria sido a mesma se tivesse continuado na Beira. Eu não sinto nenhuma revolta em ter crescido em Portugal, este é o meu país, foi aqui que cresci. Foi aqui que me tornei Mulher, Companheira e Mãe. Algumas vezes, sinto uma certa tristeza, uma tristeza que não é minha, mas do meu pai, uma tristeza cor de saudade, pela vida que poderia ter sido e não foi.
E apesar de um sofrimento que ele guardava para ele, sempre foi uma pessoa de coração forte e tudo fez para proporcionar à família uma vida melhor, trabalhou muito, e fez a diferença na vida de tantos: como pessoa, como professor, como treinador e principalmente como Pai.
“…se sabes transformar sonhos em realidade e tocar as realidades com a luz dos teus sonhos, és grande em tudo que fazes, és uma pessoa especial para os que te rodeiam…”
À minha filha!
Hoje tenho uma filha com 6 anos, ela ainda não sabe o que é a Revolução de 25 abril, mas esse dia já é especial, pois é o aniversário do pai dela. Um dia, estaremos a contar-lhe muitas histórias sobre o seu significado."
Beijos e abraços.
Sandra C.
Bom dia:- Para quem regressou a Portugal, principalmente que regressou das ex/colónias, sem nada a não ser a vida e as roupas do corpo, foi muito complicado. Direi mesmo que vivido debaixo de suor, sangue e lágrimas. Para muito valeu-lhes a família. Para outros, andaram alguns meses aos "caídos" por aqui e por ali. Os chamados retornados não foram bem aceites por uma grande parte dos portugueses. Mas era inevitável que a revolução acontecesse. Na minha opinião, era uma Guerra injusta. Ainda hoje existem graves sequelas dessa maldita guerra.
ResponderEliminar.
Cumprimentos poéticos
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Muito injustica sem dúvida! Abraço!
EliminarUma carta aberta, um coração aberto para todos. Adorei ler. Felicidades!
ResponderEliminar*
Gotículas celestiais ...
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Beijo e um excelente fim de semana.
Agradecida, abraço!
EliminarTerá sido muito complicado, tenho amigas que embora muito crianças, contam o que sentiram e não foi nada bom.
ResponderEliminarBeijinhos
Coisas de Feltro
sem dúvida, mas depois conta muito o que fazemos a seguir. Abraço!
EliminarObrigado a todos pelos comentáriso!
ResponderEliminarBeijos e abraços.
Sandra C.
Bluestrass
Olá, Sandra!
ResponderEliminarOlá, Yara!
Muito sentido este texto!
Apesar de a minha história não ter nada a ver com a da Yara, há algumas frases com as quais me identifico, nomeadamente esta: "Algumas vezes, sinto uma certa tristeza, uma tristeza que não é minha, mas do meu pai, uma tristeza cor de saudade, pela vida que poderia ter sido e não foi."
Vidas diferentes, vivências diferentes, mas sentimentos iguais!
Lamento muito a tua perda, Yara!
Beijinhos
Liliana
Ideias Recicladas e... não só!
Que ligação forte. Obrigada Liliana, abraço forte!
EliminarUm testemunho tocante... Adorei ler... lamentando contudo, a recente perda da Yara!
ResponderEliminarBeijinhos
Ana
Obrigada Ana, bj de volta!
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