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Ora Agora Falas Tu! Ricardo corpo, alma e voz no Fado!


Hoje na rubrica "Agora Falas Tu", trago-vos um amigo, que já era para cá vir faz tempo, mas a sua vida sempre cheia de compromissos o impedia disso.

Ricardo Fernandes, fadista, hoje e desde há um mês passou a ter todo o tempo do mundo.
Ele tal como todos nós estamos em casa a cumprir a nossa quarentena. Enquanto eu consigo estar em tele-trabalho, o fado não, a cultura também não. Mesmo que se faça directos, estes não trazem o pão para a mesa, nem paga a luz, o gás e a água.

E é isso que o Ricardo nos traz hoje, a sua visão desta quarentena e do estado da cultura neste momento.

"Vivi em Londres cinco anos da minha vida.
Foram cinco anos maravilhosos. Dessa altura lembro-me de pensar que adorava que Lisboa fosse uma cidade assim: cheia
de vida e dinamismo, multicultural e aberta ás artes de todas as formas e feitios.
Desde os grandes teatros cheios de público e grandes concertos musicais dos mais
variados géneros até à Off Broadway e aos excepcionais músicos de rua. 
Desejava que fosse também aquele frenesim das ruas cheias de gente, da agitação que qualquer grande metrópole convida. 

Fui a trabalho para um restaurante, cujo o empresário era inglês, cantar Fado. Aquilo que a principio parecia estranho (um restaurante com clientes ingleses que pouco ou nada conheciam de Fado), logo se tornou um desafio e uma experiência única. A estadia que deveria ser apenas de quinze dias transformou-se assim em cinco anos. 

A decisão de regressar a Lisboa foi tomada com consciência. 
A minha cidade não era igual mas queria fazer aqui o que fazia em Londres. Ter a minha casa de Fados para turistas e não só. Ao chegar deparei-me com uma burocracia nunca antes vista. 
Quer dizer, eu estava a fazer um favor a Lisboa ao insistir num comercio local, a dar a conhecer o que nós temos de mais português, a promover esta cidade que eu amo de coração e que é tão minha...  Não deu. O meu sonho ficou no meio de leis e artigos, relatórios e projectos, pagamentos e promessas, lobbies e corrupção. 
O meu esforço ao juntar dinheiro e trabalhar no estrangeiro para abrir o meu próprio negócio, na minha própria cidade, foi todo por água abaixo. 

Não me dei por vencido; abri um pequeno bar sem fado mas continuei todas as noites a cantar nas mais variadas casas de Lisboa. 



Hoje atravessamos umas das piores crises que alguma vez abalou o país e o mundo. O Covid-19 veio alertar-nos para uma outra realidade que vai ser bem diferente a partir de agora, tanto a nível social como económico. 

De repente, abriu-se perante os nossos olhos uma outra verdade mais despida e cruel sem sequer olhar a quem: pobres, ricos, novos, velhos, famosos, desconhecidos. 
O mundo mudou e com ele, nós também. E, pela primeira vez, as redes sociais têm um impacto positivo directamente nas nossas vidas. 
A um clic podemos falar com aqueles que mais amamos. Estar mais perto mesmo estando longe.

Nestes dias de quarentena as redes sociais têm sido fundamentais, sobretudo, para a cultura. 
Desde peças de teatro aos concertos, directos, palestras, aulas, tudo é um bom pretexto para passarmos o tempo. 

Ironicamente, o mundo virtual tornou-nos pessoas mais unidas. Nada que substitua o toque ou o estar com as pessoas, mas em tempos difíceis é o melhor que se pode arranjar. 

E o que vai ser da cultura após a tempestade? Não sei. 

É simplesmente vergonhoso o apoio à cultura quando foram cancelados milhares de espectáculos em todo o pais. 
Do fado, que é a minha área, pouco vai restar e a incerteza instaurou-se. 
As pequenas casas que existem, que são a maioria, não têm capacidade para aguentar os serões com fado e sem turismo. 
Os fadistas, grande maioria sem contrato de trabalho, não vão ter grandes saídas para subsistir. 

Os espectáculos de teatro vão ser estranhos e frios. Com as medidas de distanciamento instauradas perde o brilho caloroso do público. 

Depois de anos de crescimento e de alguma bonança voltamos, todos os artistas à estaca zero mas, da mesma maneira que caímos, também nos erguemos.

O povo português é resiliente. Da resiliência sai a esperança e a fé de que tudo ficará melhor. 
Vai demorar mas vamos ficar todos bem.

Comecei este meu texto por escrever sobre a minha experiência porque a vontade de que tudo melhore, sobretudo na cultura, é maior que o meu medo. 
Acredito que este mal que estamos a viver dia a dia vai fazer com que a comunidade artística fique mais unida. 

Utopia? Talvez. Se as artes são pilares fundamentais numa civilização evoluída? Sem dúvida. 
Por isso, com a ajuda de cada um de nós, vamos travar esta batalha. 

Vamos todos mais vezes ao teatro, ao cinema. Vamos todos ver mais cantores portugueses nos nossos palcos.

Este é o momento de mudar. Por mim. Por ti. Por todos nós.

Vai ficar tudo bem."



Beijos e abraços.
Sandra C.

Comentários

  1. Bom dia:- Não conheço este fadista mas acredito que tenha uma voz bonita como um rouxinol. Tudo de bom para a carreira dele.
    .
    Um dia feliz

    ResponderEliminar
  2. Confesso que não conhecia :)
    beijinhos

    www.amarcadamarta.pt

    ResponderEliminar
  3. É sempre com ler e conhecer novos artistas/fadistas! Obrigada pela partilha!
    -
    O vento agreste soa a tempestade
    -
    Beijos e um dia feliz!

    ResponderEliminar

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