Esta rubrica volta em grande neste mês de Setembro. Trago-vos uma amiga, com um sentido de humor único, um lado B da vida fantástico.
Conhecemo-nos desde os anos 90, onde éramos umas miúdas e fazíamos parte de um grupo de dança jazz, com umas ideias um bocadinho alternativas, entre muitas memórias retenho a memória preciosa de uma noite de Outubro, onde abrimos o sarau de dança ao som de "What is Love" de Hadday, "poderossimos" (porque este grupo era misto), com as suas calças à boca de sino e lá no meio de nós a pequena grande Mara a deixar todos de boca aberta!!
Uns anos mais tarde, cruzamo-nos mais uma vez em palco, mas já em teatro, onde esta menina voltava a dar cartas e fazendo o público vibrar apenas com a sua aparição em palco!
Bem, mas os anos passaram, as vidas deram uma grande volta e a Marita, agora é a senhora empresária Mara, mas o sorriso e a boa disposição nada fugiu, está tudo lá"
Como ela própria se descreve:
"Mara Vicente, 41. Head of customer support by day, dançarina de flamenco by night e profissional do sofá nos intervalos. Encaro a vida com humor e humildade, mas também não há outra maneira quando se tem 1,50m desde os 10 anos.
Fui Dirigente associativa voluntária por uns anos e sou mãe para a vida toda!"
Ai está, tudo dito! E sem mais demoras, aqui fica a contribuição da Mara para esta rubrica, deliciem-se tal como eu...
Apenas de salientar que este texto foi escrito numa das viagens a Nova Iorque.
"Desço o elevador do Hotel mesmo no coração de Nova Iorque e vou cheia de planos na minha cabeça. Um par de horas para aproveitar e muito que ver. Trago as minhas leggings, os tenis mais confortáveis e uma t-shirt toda modernaça, cabelo solto e muita vontade de sair por aí a andar, só para sentir a cidade a pulsar.
Rio sozinha quando penso que nunca nos meus sonhos mais recônditos eu me veria aos 41 anos sozinha, entregue a mim, a palmilhar Nova Iorque e a sentir que estou a vencer na vida.
No elevador vão uns quatro miúdos (nos vintes, miúdos portanto…) também eles cheios de planos e excitação. Parecem não me ver. Que os miúdos nesta idade não se misturam, verdade? Vivem à parte, lá no seu mundo de pele sem estrias e cabelos cheios de keratina e elasticidade. Só lhes levo vantagem pelo facto de já não precisar de clearasil. Que isto da idade bué adulta também tem os seus trunfos! Estes miúdos também têm o dom de muitas vezes não serem vistos. São meio que transparentes para as gerações mais velhas, desconsiderados para tudo o que importa decidir, sem voz nem razão. Não se lhes dá muita importância porque os cotas acham que “...convenhamos, esses fedelhos já se acham por demais importantes, com os seus I-pods e I-phones e I-quero, posso e mando...”.
Mas hoje, da maneira como me sinto e como nos comportamos, somos todos iguais naquele elevador. Não me sinto nem um dia mais velha que nenhum deles! Caramba, sinto-me mesmo viva!
O elevador abre-se. Um segundo de silêncio, um “plim” e ouço um valente: “Morning Madam!”
Ena, como aquele “Madam” foi direto ao meu coração tipo bala, mas daquelas que entram direitinhas e estilhaçam tudo lá por dentro.
A verdade é que foi ontem. Foi ontem que fui nova com “N”. Pernas a tremer e uma mala carregada de coisas e coisinhas que me faziam vergar como se andasse a apanhar lenha para o Inverno Russo, mas que eu achava que eram mágicas e que me iam conferir o poder da leitura e da escrita. Lá fui eu, ontem, ladeira abaixo até à escola pela primeira vez. E como eu queria entender aqueles códigos pequeninos e entrelaçados que enchiam milhares de folhas das dezenas de livros novinhos que a minha mãe comprava todos os meses no Círculo dos Leitores e exibia orgulhosamente na sala de estar como se ali se guardasse todo o conhecimento do mundo. Eu achava mesmo que sim. Ainda por cima tinham capa rígida e letras douradas. Na minha cabeça estavam 25 bíblias na minha sala e eu TINHA DE SABER o que lá dizia. Mais tarde percebi que entre o D.Quixote, o monte dos vendavais e os não sei quantos volumes do Ivan o Terrível, aqueles livros só me ajudaram a ver que ninguém é perfeito e há vidas mais difíceis. Havia tanta coisa que eu não entendia, mas tanta vontade de aprender! Queria saber tudo, fazer tudo, não via limites em nada. O auge do dia era sair a correr para o recreio e ser a primeira a escorregar pelos trilhos que fazíamos com um saco de plástico ou não, sem dó nem piedade pelas calças de ganga e saias de sarja e descíamos aquelas mini ravinas de terra (ou lamaçal, dependendo da estação do ano) que circundavam os muros da minha escola. O saldo era quase sempre um joelho esfolado e uma mão cheia de felicidade! Daquela pura, cristalina, da que nos faz rir sem sentido. A genuína, que passamos a vida toda a tentar repetir por essas feiras populares a fora… Mas, uau, eu ali era feliz!
Foi mesmo ontem que eu guardei aquela última boneca, a preferida. A que na verdade não queria mesmo nada guardar mas que na minha cabeça me impedia de ser mais crescida. Foi ali que comecei a misturar a criança que fui e o adulto que viria a ser. Era tudo e coisa nenhuma. Claramente a idade em que se sabe que já se perdeu a piada toda quando pedimos qualquer coisa à mãe com aquela voz pequenina, cabeça ao lado e olhos de gato das botas (aquela, que funcionava que nem ginjas há uns mesitos atrás) e recebemos de volta um “Mau, não tenho paciência para essas criancices, que já não és bebé nenhuma!Diz lá o que é que queres como deve ser!”
O chato é que já não se é bebé, mas também ainda não se ganharam as curvas. Então compensa-se com 50 kgs de atitude, toda ela uma colagem do colega mais bazófia da escola, com a tipa mais arisca lá do bairro, com a personagem favorita dos filmes de ação que passavam na altura - sim, era mesmo isso, ora oscilava entre um Chuck Norris de parcas palavras ou um Van Damme cheio de bazófia e emoções, conforme os dias. E sim, estava em boas condições para me fecharem num armário a marinar até aí aos 20.
Foi também ontem que o coração parou pela primeira vez e não sabendo muito bem explicar porquê não deixava de pensar naquele miúdo que me olhou uma vez, de relance - se calhar nem foi para mim que havia todo um cartaz da Samantha Fox mesmo atrás de mim - e que, portanto, nem devia saber que eu existia. Foi ontem que o coração aprendeu que tem não sei quantos ritmos, que consegue parar com um olhar, bater descompassado com uma conversa e também se parte. Estilhaça e corta, que parece nunca mais ter remédio. Mas estranhamente continua a bater. Sim, as paixonetas dão cabo do coração. Mas há que assumi-lo: nada, mas mesmo nada, tipo nem que venha lá o Brad Pitt dos tempos do “lendas de paixão”, cabelo comprido ao vento, todo nu, em cima de um cavalo - nos faz estraçalhar o coração como aquelas célebres palavras de mãe, ditas entre dentes: “Mara Rita, a gente quando chegar a casa conversa”.
Ó pá, a sério que foi ontem. Que saí finalmente do liceu. Que pisei uma faculdade pela primeira vez, que me vi a receber o meu primeiro ordenado com o qual comprei as minhas primeiras calças de ganga da Levi’s (aquele momento épico, a morder o lábio, a contar as notas, que este trapo é tão caro e este dinheiro me custou tanto a juntar...). Ontem assinei a escritura da minha primeira casa, que enchi rapidamente de bibelots, coca-cola, batatas fritas e dois gatinhos vadios. Foi ontem que fiz planos de vida com alguém, que casei, que tive uma filha - e a partir daí, daquele precioso momento em que ma colocaram nos braços e troquei um olhar com aquela criatura miudínha e frágil, que eu agarrei firme no volante, meti a quinta, pisquei os olhos duas vezes e de repente aqui me encontro. Carrego o mesmo coração curioso, a mesma vontade de ser feliz, a mesma energia para a vida. O chato é quando às vezes paro diante de do espelho e preciso de uns momentos para reconhecer aquela mulher cheia de olheiras, de maxilar mais quadrado e ancas largas que tem de tomar coragem para subir um lance de escadas e já não vai a pé a lado nenhum. E que de vez em quando, quando fala parece que estou a ouvir a minha mãe projetada de dentro de mim.
Aquele “Madam” teve um efeito de espelho aumentador em mim. Sacana do tipo que me atirou o ego para o poço do elevador! Mas sabem que mais? Fiz o que faço melhor: pus o meu sorriso 35 e saí dali cheia de confiança, nariz empinado e ancas a oscilar , qual Irina Shayk a seguir ao primeiro piropo do Bradley Cooper. Porque os anos eu tenho, mas a velhice só chega quando eu deixar!
Nota de rodapé: estava tão confiançuda que galguei uns quarteirões e ainda subi os ultimos 7 lances do Empire State Building a pé. Chegada ao topo, acho prudente refazer a minha última frase: Os anos eu tenho, mas a velhice só chega quando os joelhos cederem! Pronto, é mais isso."
Agora que leram o texto, comunico-vos que a blogosfera acabou de ganhar mais uma estrela, esta menina mulher, de sua graça Mara.
O blog dela foi criado ontem, ainda é um bebé de seu nome "De Aqui Em Diante" e também já tem página de Facebook e de Instagram.
Obrigado, pela tua boa disposição, sinto-me orgulhosa desta tua "entrance" na vida dos blogs!
Sê bem vinda miúda!!
Beijos e abraços para todos.
Sandra C.
Que partilha maravilhosa *-*
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