Avançar para o conteúdo principal

O Segredo (Parte V)


                                                               Image from Pinterest 

Aqui vos deixo mais um excerto da peça "O Segredo". Esta peça tal como outras que escrevi nunca chegaram ao palco. A nível de encenação seria pouco provável a existência de alguns
artefactos em cena, como o caso do piano.

"(Ouve-se a voz de Peter num tom brincalhão imitando Frank):

Peter- “Tens de ter calma, tens de confiar mais em ti Lisy”.
Pois é, tens de confiar mais em ti...

(Lisy dá um salto da Chaise Long):

Lisy- Outra vez? Mas afinal quem és tu?

(Peter entra em palco e vai sentar-se ao lado de Lisy)

Peter- Eu? Queres mesmo saber?
É normal que não te recordes de mim. Quando eu morri, ainda eras tão pequenina...

(Baixando a cabeça envergonhado)

Eu tinha tantos ciúmes de ti. Deus castigou-me.

Lisy- (Perplexa) Pequenina? Tinhas ciúmes?

Peter- Tinha mana, tinha ciúmes porque a mãe dava-te mais atenção do que a mim. Depois comecei a não comer, a não brincar e depois...
Deus castigou-me, levou-me com ele quando tu tinhas um ano.

Lisy- Então quer dizer que tu... tu és meu irmão?
Mas como, se nunca ninguém me disse que eu tive irmãos?

Peter- Pois, pergunta à Nanny, pode ser que ela consiga responder.

Lisy- A Nanny...
Tu por acaso sabes quem são as outras pessoas dos meus sonhos?

Peter- Não me faças mais perguntas, agora que sabes quem eu sou, tenta tu também arranjares soluções para o teu quebra-cabeças.

(Peter sai da sala, Lisy começa a andar de um lado para o outro impaciente e chama Nanny)

Lisy- Nanny, Nanny chega aqui. Estás a ouvir?

Nanny- Chamou-me menina?

Lisy- Sim, chamei. Nós precisamos de conversar.

Nanny- Ai menina, agora não que tenho o jantar ao lume...

Lisy- Então depois do jantar, não te escapas, quero mesmo falar contigo.

(As luzes do palco baixam e quando sobem já se encontra Lisy e Frank a tomar café sentados na Chaise Long)

Lisy- Nanny, chega aqui.

Nanny- Sim menina, diga...

Lisy- Senta-te aqui ao pé de nós, vamos falar um bocadinho...

Nanny- Ai menina, mas eu vou falar sobre o quê? Eu não tenho assuntos interessantes para falar como os meninos.

Lisy- Não digas isso, não sejas tonta e senta-te aqui ao pé de nós  .

Nanny- Com licença menina, obrigado.

Lisy- Nanny, tu sabes que eu estou a passar uma fase difícil da minha vida, que me isolei, que vim para Glasgow para encontrar um pouco de paz que em Londres não tinha. Procurei esta paz para encontrar respostas às minhas dúvidas e acho que comecei a encontrar o caminho certo. Ainda há pouco antes do jantar, vivi mais uma daquelas situações estranhas e nem sequer foi um sonho, foi até bem real.
Foi logo depois de teres saído,

(dirigindo-se a Frank)

Estava aqui sentada, quando ouvi a voz daquela criança, a brincar com o que tínhamos estado a falar há pouco.
Fiquei completamente apavorada quando o vejo entrar pela sala dentro e se veio sentar ao pé de mim aqui.
Aquela criança começou a tratar-me por mana e a dizer que tinha ciúmes de mim e que por isso Deus castigou-o e levou-o com ele. Nem queria acreditar no que ouvia.
Como é que eu tive um irmão e nunca ninguém me falou em tal coisa?
Eu tinha o direito de saber?
Porque esconderam este segredo de mim?

Nanny- Oh menina, perdoe-me... mas a sua mãezinha fez-me prometer que nunca lhe iria contar nada. Já bastou o que ela sofreu...

Lisy- Mas porquê? Eu quero que me contes tudo, o que se passou, porque é que ele morreu?

Nanny- O Peter era uma criança muito forte, quando a menina nasceu ele ficou tão feliz, mas a alegria foi curta... quando ele se apercebeu que afinal o bebé que acabara de nascer não era um menino, mas sim uma menina e que dificilmente iria partilhar as suas brincadeiras, aquela criança ficou destroçada, pouco tempo depois começou a ter comportamentos estranhos, aos poucos deixou de comer, de brincar, de fazer tudo o que uma criança normal fazia.
Até que uma noite, depois de já estarmos todos a dormir, o Peter saiu para a rua.
Nessa noite estava uma grande tempestade, o seu pai ainda conseguiu ouvir a porta de casa a bater. Ainda pensou que fosse o vento, levantou-se e como habitual passou no quarto do menino... mas ele não estava lá.
Para não preocupar a sua mãe, ele foi à procura do Peter...mas já foi tarde de mais... quando ele saiu de casa começou a trovejar e um raio caiu mesmo em cima dele. Já nada havia a fazer.
Foram tempos difíceis, a sua mãe culpava-se pela morte do seu irmão, dizia que não tinha sido uma boa mãe.
A partir desse dia, a palavra morte e o assunto do seu irmão passaram a ser assuntos proibidos nesta casa.

Lisy- Nanny, desculpa te obrigar a recordar algo tão desagradável.
Mas eu tinha o direito de saber, faz parte de mim, faz parte da minha história, compreendes? 

Nanny- Sim menina, compreendo. Já muitas vezes tinha pensado em contar-lhe isto, mas tinha medo da sua reacção.
A Lisy não está magoada comigo?

Lisy- Não, claro que não estou.

Nanny- Os meninos desculpem, mas vou retirar-me.

Lisy- Sim, vai. Bom descanso.

Nanny- Obrigado menina.

(Nanny sai de cena)

Espero que estejam a gostar e agradeço desde já as vossas criticas.
Beijos e abraços
Sandra C.

Comentários

  1. Muito bom.
    Beijinho e boa semana
    http://brevisfuse.blogspot.com

    ResponderEliminar
  2. Desta não estava nada à espera! Que reviravolta interessante e entusiasmante. Mal posso esperar para saber mais *-*

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Pode comentar... o Bluestrass não morde!

Mensagens populares deste blogue

Eduardo Viana - O supersticioso e obstinado

Eduardo Viana , pintor nascido em Lisboa no dia 28 de Novembro de 1881 na Rua do Loreto, nº 13 no quarto - andar, filho de José Afonso Viana e de D. Maria das Dores Fonseca Viana foi um dos nomes sonantes da pintura do século XX em conjunto com outros pintores como Amadeu de Sousa-Cardoso, Almada Negreiros, Robert Delaunay e Sónia Delaunay, Mily Possoz (de quem veio a estar noivo entre os anos 1919-1925) entre outros. Uma personalidade impar,”(...) Supersticioso, austero, exigente e obstinado (...)” era capaz de “(...) raspar qualquer trecho ou pormenor, aparentemente insignificante, de uma tela já coberta; repintá-lo uma, duas, número sem conto de vezes, até acertar na forma, mas, sobretudo, no tom, era, para Eduardo Viana, o pão nosso de cada dia. Que saibamos, um ano (...) levou o insatisfeito pintor a encontrar, após sucessivos ensaios, a cor de um simples lenço sobre que, numa natureza morta, repousavam uns frutos (...)” Matriculou-se no Curso Geral de Desenho da Sociedade de Bela...

Música que tem bom feeling - Maria

Adoro quando descubro músicas que me tocam. Sejam elas mais sérias, ou mais "cool" como esta, estas duas vozes juntas é qualquer coisa! Letra e música de Bezegol Por gostar de ti Maria Não olhei ao sofrimento E não quis lembrar o dia Que falhaste ao juramento Por ti enfrentei o mundo Enrolado no teu dedo Condenado a amor profundo Encobrindo o teu segredo Eu lembro-me de ti Por quem me apaixonei Para onde foste eu não vi Nem sei quando deixei Queria-te ter aqui Mas sei que não consigo Fazer voltar atrás Fazer do tempo amigo Vou seguindo minha estrela Firme vou no meu caminho A bagagem vai pesada Mas eu carrego sozinho Foi dica a tua experiência Mas não quero olhar para trás Agarro-me às partes boas E sigo a iludir as más Eu lembro-me de ti Por quem me apaixonei Para onde foste eu não vi Nem sei quando deixei Queria-te ter aqui Mas sei que não consigo Fazer voltar atrás Fazer do tempo amigo Eu lembro-me de ti Por quem me apaixonei Pa...

Restolho - Mafalda Veiga

Bom dia! Adoro quando sou surpreendida por musicas recentes que me tocam, mas também quando ouço algo que em tempos acompanhou a minha vida. É o que acontece com esta música. Sempre gostei muito de ouvir Mafalda Veiga, principalmente na adolescência, as suas músicas sempre me concederam momentos de pausa e de reflexão.  Esta música faz-me lembrar momentos de verões eternos, quando a seguir ao almoço o calor era tanto que se ouviam as cigarras.  Do doce das uvas, das amoras e dos figos pelos caminhos duros.  Do rio calmo e fresco, dos peixes que teimavam em fazer as suas danças e quase que nos vinham beijar a pele.  Dos fins de dia quase noite quando caminhavamos cheios de uma felicidade que enchia o coração. É bom recordar... "Geme o restolho, triste e solitário A embalar a noite escura e fria E a perder-se no olhar da ventania Que canta ao tom do velho campanário Geme o restolho, preso de saudade Esquecido, enlouquecido, dominado Escondido entre as sombras do ...