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Viviane - A "Prof" ***** (5 estrelas)!



A última entrevista do mês de Março, traz-nos um tema de alguma forma polémico.
Muito se fala sobre a educação ou a falta dela em Portugal, de como temos professores a lecionar que tem tudo menos vocação para o ser entre muitas outras coisas mais.
Hoje a entrevista vai ser feita a uma professora, que já o é faz alguns anos, que faz aquilo que gosta, que se empenha no seu trabalho e que para além disso é mulher e mãe.
Esta entrevista, está de acordo com o acordo ortográfico (mas só esta porque não concordo com ele).
Aqui fica a entrevista da minha querida amiga Viviane Mendes.

Ser professora era a tua profissão de sonho?
 - Ser professora era uma das minhas profissões de sonho, mas não foi a minha primeira
opção. Desde muito cedo, era apaixonada pelas artes, essencialmente pela dança e a música. 
Os meus
professores insistiam que eu seguisse algo nessa área, mas segui outro rumo. 
Outro dos meus sonhos
era a área do turismo: queria ser hospedeira. Sonhava acordada com aquele mundo: fardas, aviões, outras culturas… 
Aos 18 anos, após ter assistido a uma aula de um familiar percebi que, para além de
gostar muito de crianças, tinha um dom: cativava facilmente a criançada e tinha jeito para ajudar/apoiar nas tarefas escolares. 
Desde esse dia surgiu o bichinho do ensino, a curiosidade por tudo o que movia a
educação e pensei: e se eu fosse para professora de 1.º ciclo? 
Segui esse sonho e cá estou eu com 10
anos de carreira.

Se não fosses professora que profissão terias?
- Se neste momento tivesse que mudar de profissão seria para algo direcionado para o
turismo. Sou fascinada pelo mundo das viagens, pelo desconhecido, novas culturas, etc. Adorava explorar
o mundo, ter novas vivências, aprender novas línguas, partilhar as minhas descobertas e aventuras
através da fotografia, que é outra paixão que tenho.

Como vês o estado do ensino em Portugal neste momento?
- Embora o ensino em Portugal tenha sofrido algumas alterações positivas, ainda estamos a largos passos de alcançar o sucesso obtido, como por exemplo, no sistema educativo da Finlândia, Singapura, Alemanha, entre outros países que têm uma mentalidade muito diferente neste campo.
No entanto, já se consegue ver alguma luz ao fundo do túnel e já existem algumas escolas a quererem revolucionar a forma como se ensina em Portugal, optando por uma metodologia de ensino mais direcionada no empoderamento da criança, no desenvolvimento da sua consciência como ser humano e na importância da autonomia e empatia para o desenvolvimento da sua vontade em melhorar o mundo à sua volta.
Infelizmente, ainda há muito a percorrer e mudar: o aluno não pode ser visto com uma máquina que deve trabalhar/ estudar para alcançar boas notas (perdoem-me os mais suscetíveis, mas nem sempre são reais), de modo a agradar os pais e permitir que as escolas façam brilharete nos rankings. Quanto a mim um aluno é muito mais que uma nota, devemos olhar para ele no seu todo e avaliá-lo não só pelas suas capacidades cognitivas mas também como pessoa. 
O que adianta a criança ser a melhor aluna da turma ou da escola se depois como pessoa não o é? 
O que me adianta ter um excelente aluno se depois não é um aluno responsável, cooperante, autónomo, solidário, criativo…? 
Quanto a mim conciliar todos estes fatores é uma mais valia, no processo de ensino-aprendizagem da criança, mas para isso há que criar condições, oportunidades, métodos pedagógicos revolucionários, etc. 
Não menos importante acho que se deve mudar urgentemente a carga horária excessiva a que os  alunos são expostos (uma criança tem que ter tempo para ser criança e isso nem sempre acontece), assim como a inadequação do currículo à idade dos alunos (pelo menos é o que sinto no 1.º ciclo). Não esquecendo, a taxa, ainda elevada, do insucesso e abandono escolar.

Que dificuldades sentes no teu dia-a-dia de trabalho?
- Nesta profissão enfrentam-se várias dificuldades/desafios, umas mais fáceis de contornar do
que outras: a indisciplina, as dificuldades de aprendizagem, os problemas psicológicos e comportamentais dos alunos, com a agravante que nem sempre temos o apoio dos pais. 
Quanto a mim o mais difícil é convencermos alguns pais que os filhos nem sempre são aquilo que imaginam, que o comportamento na escola nem sempre é o mais adequado (faltas de educação, incumprimento de regras, desrespeito com os colegas e adultos…). 
Obviamente que nem todos os pais aceitam mal, muitos até procuram junto dos educadores encontrar soluções para colmatar estes problemas, mas (e infelizmente) temos alguns casos
que rejeitam a ideia de que os filhos nem sempre são o que mostram ser em casa (alguns conscientes
das situações, mas que não admitem por orgulho ou complexo social).

Para além das matérias exigidas pelo Ministério da Educação, fazes outros trabalhos com os teus alunos, tal como a chamada "área de projeto"?


- Para além do que é exigido pelo Ministério de Educação realizo e participo em muitos
projetos. O problema às vezes é conseguir ter tempo para cumprir o programa que é extenso e exagerado (mas que tem de ser cumprido). 
Contudo, não abdico dos mesmos, pois acredito que enriquecem as aprendizagens dos alunos. Efetivamente dá muito trabalho, mas vale a pena e hoje em dia não faz sentido ficar agarrado ao manual e à secretária.
Felizmente trabalho num colégio que é ativo e rico em atividades/projetos (confesso que às vezes
apetecia-me estar sossegadinha no meu canto), mas efetivamente uma escola deve cheirar a vida e deve preocupar-se essencialmente em acompanhar as diferentes gerações e não estagnar no tempo e na forma de ensinar.

Quando se trata de ensinares a tua filha sentes dificuldades em fazê-lo?
- Confesso que sim. Podes achar estranho, mas acabo por ter mais paciência para os meus
alunos do que para ela. 
Ao contrário do que possam pensar, ser professor não é fácil e é com toda a certeza uma profissão de grande desgaste. Quando chego a casa, após oito horas de trabalho, é difícil ter
cabeça para ajudar os nossos filhos (ainda por mais quando tens ainda testes, fichas ou outros trabalhos para corrigir em casa). 
Como é óbvio esse trabalho acaba por ser feito, mas há dias em que o nível de paciência, quando o  estudo não corre bem, é quase nulo (reflexo do nosso cansaço). 
A minha filha olha para mim como um ídolo e tem algo que quanto a mim me preocupa: ela não me quer desiludir e procura esconder as suas fraquezas para que eu não fique triste. 
Não é isso que quero. Ela tem de perceber que a amo com ou sem dificuldades na escola e que estou aqui para ela para o que der e vier. Não quero que ela seja a melhor aluna da escola, mas que perceba os conceitos e não os decore. 
Não é uma aluna de excelência, mas tem tido boas notas. Acima de tudo e apesar de ser conversadora, é uma menina empenhada e dedicada. É o meu orgulho.

Concordas com o acordo ortográfico?
- Percebi a tentativa de quererem uniformizar a língua com outros países, tais como os estados
membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), mas a meu ver a nossa língua perdeu a sua essência com esta mudança.
Supostamente o acordo seria implementado para unir e simplificar a língua, mas achei exatamente o
contrário: trouxe mais dissabores aos portugueses, havendo, ainda hoje, muitas pessoas com dificuldades e dúvidas em relação ao novo acordo ortográfico.
Lembro-me muito bem quando comecei a implementar as novas regras aos meus alunos (foi um horror).
Imagina os miúdos estarem habituados a determinadas regras que eu com muita insistência e trabalho lhes incuti e, de repente, (mais precisamente no ano seguinte) comecei a obrigá-los a escrever de uma maneira diferente e seguir regras que até então eram outras.
Hoje em dia já não sinto esse pesadelo e já me habituei, até porque sou obrigada a escrever conforme as regras impostas pelo acordo.

Sentes-te realizada na tua profissão?
- Eu escolhi ser professora porque a educação é algo que me fascina. 
É uma profissão gratificante, no sentido em que crias laços com os alunos, transmites e recebes conhecimentos, acompanhas o desenvolvimento de cada um…
A meu ver quem vai para esta profissão não pode apenas carregar uma enorme bagagem intelectual,
formada por conhecimentos em diversas áreas, precisa de ter o dom, prazer em ensinar e amor à
profissão, necessita de dar e saber aceitar, o comprometimento, orgulho, dedicação, motivação, para
ajudar aqueles que estão à sua volta, mas acima de tudo resiliência porque nesta profissão nem tudo é um mar de rosas.
Confesso que já tive para desistir algumas vezes, por vários motivos. 
Passei quatro anos infernais em que trabalhei numa escola complicada: para além de não ser fácil resistir às barreiras do dia-a- dia era mal paga. 
Pensei muitas vezes: o que estou eu aqui a fazer?
Estes anos destruíram alguns dos meus sonhos e a minha vida familiar. 
Ia com uma neura tão grande para casa, o stress era tanto que explodia com tudo e com todos. 
As minhas conversas acabavam sempre por bater na mesma tecla, o cansaço era tanto que acabava por chorar dias a fio porque não queria voltar para aquele lugar, para piorar tinha reuniões até tarde (às vezes até às 22horas) tendo em conta que saía às sete e meia da manhã de casa imagina o quanto andava cansada, fora o trabalho que se levava para fazer em casa (próprio da profissão). Felizmente consegui resistir, dar a volta à situação e chutar para canto todos os problemas que tive. Acabei por conseguir sair daquele lugar e hoje sinto-me muito mais realizada. 
Mas como em todas as profissões, continua a existir aspetos positivos e negativos, mas disso não se consegue fugir ou mudar.

Uma mensagem:
A docência é uma dos mais importantes profissões na sociedade em geral.
Alicerça e qualifica todos os profissionais dos mais diversos ramos. 
Mesmo aqueles que por indisponibilidade do destino não consigam ou não
possam seguir estudos superiores, aprenderam a ler, escrever e fazer
contas assim como outros conhecimentos gerais de grande importância
para a sua vida. 
Na vida de qualquer pessoa existe sempre a memória de um professor.
A sociedade e as suas mutações levam o docente a uma aprendizagem e
formação constante, com a finalidade de estar sempre atualizado e
conseguir superar os novos desafios e projetos a que se propõe. 
exigência sempre fez parte da vida de um professor, pela necessidade de
criar estratégias e novas metodologias para conseguir dar resposta à
necessidade de cada aluno. Essa exigência não pode ser convertida em
obrigação caprichosa das vontades de alunos, pais, diretores e
governantes pouco informados da realidade da profissão docente e das
suas obrigações para com o ensino e a sociedade.
Exige-se, cada vez mais, o reforço de uma imagem idónea e importante do
docente, numa sociedade moderna, atual, em constante movimento e que
consiga uma formação adequada para dar resposta às exigências de um
futuro promissor.

Viviane Mendes

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