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Entrevista - Carla Chambel - O Teatro que nasce na escuridão até se fazer luz!

 

Bom dia a todos! 

Neste dia especial que é o Dia Mundial do Teatro, trago-vos a entrevista de alguém que admiro muito e que para mim foi uma verdadeira surpresa ter aceite, ser entrevistada pela minha pessoa.

Carla Chambel, a atriz que todos bem conhecemos de várias novelas e séries da televisão, do cinema mas também do palco. Aliás o primeiro trabalho da Carla foi no ano de 1995, na peça "A Disputa" de Marivaux com encenação de João Perry, antes de ter ingressado no Curso de Formação de Actores da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa.

Muitos foram os palcos por onde já passou, filmes que já fez e séries e novelas onde já interpretou tantas e tantas personagens.  

Os anos passam, mas o ar dócil e de menina está sempre presente. Venham dai conhecer então a actriz Carla Chambel.




- Carla, porquê o Teatro? Que magia é que o palco tem?

O Teatro surge por me ter sido cultivado, desde professoras primárias até ao secundário. A princípio era só um gosto de contar as histórias, mais tarde, no secundário, ver o espetáculo KI FATXIAMU NOI KUI do Teatro Meridional despertou-me para algo muito mais profundo. A necessidade de estar em palco, para transmitir aquele nível de emoções, histórias e mensagens. A magia do palco é irrepetível e por isso, quando assistimos a um espetáculo, vemos algo de único, especial, mesmo que o espetáculo seja exibido por muitos dias. Isso fascina-me.


- Criar uma personagem é algo de mágico. Para além do corpo e da voz, cada personagem que representa, tem um bocadinho da Carla?

Tem as minhas referências, experiências de vida,  intrinsecamente. Mas para além do corpo, da voz e da minha experiência, tem também a descoberta da personagem feita com os outros atores, (a contracena também constrói a nossa personagem). Ler, ver filmes, conversar com pessoas, investigar o universo da personagem é outro ingrediente essencial.



- Fazer teatro é algo que aconteceu por acaso, ou foi um "bichinho" que se foi instalando em si?

O bichinho estava cá desde tenra idade, mas eu julgava que a profissão se passava de pais para filhos, como os artesãos. Só quando percebi que havia um curso de formação de atores (até há vários) é que eu percebi que podia aprender com os mestres. E a partir daí tornou-se uma vontade real de querer seguir este caminho.

- Qual é a parte mais desafiante de uma peça de teatro? A criação da personagem? Os ensaios?

Os ensaios, ou seja, o processo de construção do espetáculo, é a fase mais incrível para mim. Esse processo de descoberta com o encenador, os atores e os outros criativos, o arriscar sem medo de falhar, perceber como tudo se encaixa, é o mais desafiante. Na personagem começo por fazer um desenho grosso, e depois à medida que os ensaios vão avançando, vou dando atenção aos pormenores, fixando momentos que me ajudam a construir o percurso físico e emocional da personagem.



- Ainda fica nervosa, cada vez que estreia?

Sempre. Quando deixar de sentir, talvez já não esteja no sítio certo. Ser ator é também expor a fragilidade de não saber como vai ser recebido. É uma responsabilidade dignificar todos os dias o espetáculo, respeitar o público, mesmo quando a sala não está cheia.

- Consegue deixar as suas personagens à porta do teatro, ou alguma já "veio" consigo para casa?

Elas vão-se transportando. Mas quando acabo o espetáculo gosto sempre de demorar o meu tempo, mudar de roupa, desmaquilhar, conversar com os colegas, com o público, ajuda-me a “arrefecer” a personagem e a vir mais leve para casa. Contudo algumas contagiam o meu quotidiano. Durante o ano passado voltei a usar bandolete, por exemplo, porque uma personagem usava e achei que até me ficava bem!



- Existe alguma personagem que a tenha marcado?

Várias. A Églè da Disputa de Marivaux, o meu primeiro espetáculo profissional no Trindade, em 1995, marcou-me profundamente. Foi a verdadeira viragem no percurso da minha vida, com a sorte de o fazer num palco nobre da cidade sob a mão de um incrível João Perry e ao lado de um elenco maravilhoso. Outras, como a Gaivota, na História da Gaivota e do Gato Que a Ensinou a Voar, marca a minha presença numa companhia de referência, o Teatro Meridional, ou a Isabella do Medida por Medida, na Comuna Teatro de Pesquisa, a minha primeira incursão por Shakespeare. Fazer a Medeia de Eurípedes foi um sonho concretizado com a Companhia Teatro Livre, por me permitir fazer Tragédia Grega. É difícil escolher, porque cada uma transformou-me como pessoa, ajudou-me a perceber melhor a natureza humana, e com isso fazer de mim uma pessoa mais empática com os outros.

- O que gostaria de já ter feito em palco, que ainda não foi possível?

Gostaria de fazer Comédia Del’Arte, algo de grotesco, que me desafiasse a fazer algo de muito diferente no meu percurso.

- Uma frase e uma música com que se identifique.

Duas frases do Fernando Pessoa:“Tenho em mim todos os sonhos do mundo” e “Sou do tamanho daquilo que vejo e não do tamanho da minha altura” são duas frases que me impelam para seguir em frente, sonhar e não ter medo de arriscar novos mundos, apesar de só ter 1,58m. “Mudemos de assunto” do Sérgio Godinho, do álbum CAMPOLIDE, é uma música que me acompanha há muitos anos. Foi a que levei às provas do conservatório e tem dois ritmos diferentes. E eu gosto disso, da mudança, da surpresa, do inesperado.

- Una mensagem que queira deixar aos que ainda não são amantes de teatro.

O Teatro é uma arte transformadora. Permite-nos, num contexto seguro, aprender sobre a natureza humana, identificando-nos com os defeitos e admirando as maiores proezas dos personagens. É, por isso, um lugar de reflexão e, claro, também de entretenimento. Neste momento há bastante oferta cultural de qualidade, diversificada, por isso será difícil errar e ter uma má experiência. 




Obrigada Carla, obrigada por esta lição de teatro! É bom sentir que os fazedores de sonhos em cima do palco continuam por ai!

Em breve gostava muito de a conhecer pessoalmente! Pode ser que o Teatro Maria Matos seja o mote para que esse momento aconteça brevemente.

Por fim, hoje neste dia quero deixar-vos um pensamento sobre a arte do palco:

"No teatro podemos viver, sem medo, tudo aquilo que na vida seria impossível ou imoral. O teatro é entrega, dedicação, humildade, amor, respeito, é magia, é energia, é a troca, é o jogo, é o outro, é o conjunto: é um todo."

Lucas De Carvalho

Beijos e abraços.
Sandra C.


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Fotos e Créditos:
Foto 1 - João Bettencourt Bacelar
Foto 2- "MEDEIA a partir de Eurípedes" - Foto de Daniel Fernandes
Foto 3- Peça - "XERAZADE NÃO ESTÁ SÓ" - Propriedade de Lua Cheia Teatro para Todos
Foto 4- "MATER", de Maria Adelaide Amaral - Foto de Daniel Fernandes
Foto 5- "Medeia - A partir de Eurípides" - Foto de "É Diferente Fotografia"
Foto 6 - JURAMENTOS INDISCRETOS enc. José Peixoto - Foto de João Tuna

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