Para festejar o 25 de Abril deixo-vos um excerto da peça “Encontro com o Passado” que escrevi em Outubro de 2001.
A peça conta a história de um locutor de rádio que se encontra a fazer na noite de 24 para 25 de Abril do tempo actual, o seu programa de rádio “Encontros com o passado”.
Neste programa ele conta a sua vida pessoal desde 1961 até 1974. Deixo aqui uma chamada de atenção que isto é um texto de ficção baseado em factos reais, no entanto existe aqui factos que podem não corresponder à realidade, como por exemplo ter existido mulheres na prisão de Peniche.
Este texto que vos deixo faz parte da última parte da peça.
“(...) Eu soube do que se passou por mero acaso, nessa noite depois do meu filho e da minha mãe estarem a dormir, sentia-me um solitário e resolvi sentar-me na sala, tendo por companhia apenas o meu rádio de pilhas.
A minha paixão pela rádio nasceu no tempo em que estive preso, pois durante muito tempo não tive acesso a ouvir música, apesar de vez em quando, ouvir muito longe um rádio a funcionar, (...) o do guarda de serviço. (...) Então comecei a trazer comigo, esse pequeno rádio que ainda hoje guardo religiosamente. (...)
Foi o que aconteceu nessa noite, esse rádio foi a minha companhia, apesar de ter o meu filho e a minha mãe, sentia-me só sem ter a minha mulher comigo.
Sentia-me inquieto e comecei a andar ás voltas pela sala, na cozinha, fui até à janela, sentia o frio da noite a entrar pelos meus ossos, liguei o rádio que estava sintonizado no Rádio Clube Português e nunca pensei que o que ouviria a seguir, iria mudar o rumo da história para sempre.
O que ouvi (...) foram estas palavras “Faltam cinco minutos para as 23.00 horas. O Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 “E depois do Adeus”.
E foi assim, para mim aquele momento não tinha nada de especial, apesar de admitir que é uma música que mexe com o nosso interior, umas horas mais tarde viria a compreender que tinha sido o mote, para dar largas aos militares.
Continuei sentado a pensar na vida (...) comecei a mexer no rádio e por volta da meia –noite quando passava de rádio em rádio, no programa de poesia da Rádio Renascença, ouvi o locutor dizer com uma convicção fora do comum, “Grândola Vila Morena, terra da fraternidade, o povo é quem mais ordena dentro de ti ó cidade!”
(...) Resolvi sair, naquela madrugada quase não se via ninguém na rua, a não ser os amigos da boémia, comecei a andar pelas ruas, como se estivesse à espera que acontecesse alguma coisa e não é que aconteceu? Continuei a ouvir o meu rádio, quando estranhei que o Rádio Clube não passava qualquer música para além das Marchas Militares, quando perto das quatro e meia ouvi a voz de Joaquim Furtado a dizer:
“ Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de se recolherem a suas casas, nas quais de devem conservar com a máxima calma.
Esperando sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso do comando das forças militares no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas.
Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais, que enlutariam e criariam divisões entre os Portugueses, o que há que evitar a todo o custo.
Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer Português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua ocorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, o que se deseja sinceramente desnecessária.”
Eu não queria acreditar, já tinha vivido várias situações na minha vida, mas esta foi diferente, fiquei sem reacção durante uns momentos, sem conseguir pensar no que deveria fazer em seguida, se voltar para casa, se...sei lá... quando de repente vejo passar uns quantos militares por mim e penso que afinal é verdade, eles estão mesmo a falar a sério. Começo a andar pelas ruas, acabei por ir parar ao Terreiro do Paço já era quase manhã, quando vi militares entendi que era ali que tudo ia começar.
Comecei a ver pessoas a sair, Lisboa tinha acordado para 1º dia do resto das nossas vidas.
Os militares impediam a passagem de quem vinha trabalhar, os poucos comerciantes que abriram, no fim da manhã acabaram por fechar portas. O povo estava na rua, por toda a parte ouvia-se “Abaixo o Fascismo! Vitória, Vitória! O Povo Unido jamais será vencido!” (...)
A peça conta a história de um locutor de rádio que se encontra a fazer na noite de 24 para 25 de Abril do tempo actual, o seu programa de rádio “Encontros com o passado”.
Neste programa ele conta a sua vida pessoal desde 1961 até 1974. Deixo aqui uma chamada de atenção que isto é um texto de ficção baseado em factos reais, no entanto existe aqui factos que podem não corresponder à realidade, como por exemplo ter existido mulheres na prisão de Peniche.
Este texto que vos deixo faz parte da última parte da peça.
“(...) Eu soube do que se passou por mero acaso, nessa noite depois do meu filho e da minha mãe estarem a dormir, sentia-me um solitário e resolvi sentar-me na sala, tendo por companhia apenas o meu rádio de pilhas.
A minha paixão pela rádio nasceu no tempo em que estive preso, pois durante muito tempo não tive acesso a ouvir música, apesar de vez em quando, ouvir muito longe um rádio a funcionar, (...) o do guarda de serviço. (...) Então comecei a trazer comigo, esse pequeno rádio que ainda hoje guardo religiosamente. (...)
Foi o que aconteceu nessa noite, esse rádio foi a minha companhia, apesar de ter o meu filho e a minha mãe, sentia-me só sem ter a minha mulher comigo.
Sentia-me inquieto e comecei a andar ás voltas pela sala, na cozinha, fui até à janela, sentia o frio da noite a entrar pelos meus ossos, liguei o rádio que estava sintonizado no Rádio Clube Português e nunca pensei que o que ouviria a seguir, iria mudar o rumo da história para sempre.
O que ouvi (...) foram estas palavras “Faltam cinco minutos para as 23.00 horas. O Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 “E depois do Adeus”.
E foi assim, para mim aquele momento não tinha nada de especial, apesar de admitir que é uma música que mexe com o nosso interior, umas horas mais tarde viria a compreender que tinha sido o mote, para dar largas aos militares.
Continuei sentado a pensar na vida (...) comecei a mexer no rádio e por volta da meia –noite quando passava de rádio em rádio, no programa de poesia da Rádio Renascença, ouvi o locutor dizer com uma convicção fora do comum, “Grândola Vila Morena, terra da fraternidade, o povo é quem mais ordena dentro de ti ó cidade!”
(...) Resolvi sair, naquela madrugada quase não se via ninguém na rua, a não ser os amigos da boémia, comecei a andar pelas ruas, como se estivesse à espera que acontecesse alguma coisa e não é que aconteceu? Continuei a ouvir o meu rádio, quando estranhei que o Rádio Clube não passava qualquer música para além das Marchas Militares, quando perto das quatro e meia ouvi a voz de Joaquim Furtado a dizer:
“ Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de se recolherem a suas casas, nas quais de devem conservar com a máxima calma.
Esperando sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso do comando das forças militares no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas.
Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais, que enlutariam e criariam divisões entre os Portugueses, o que há que evitar a todo o custo.
Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer Português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua ocorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, o que se deseja sinceramente desnecessária.”
Eu não queria acreditar, já tinha vivido várias situações na minha vida, mas esta foi diferente, fiquei sem reacção durante uns momentos, sem conseguir pensar no que deveria fazer em seguida, se voltar para casa, se...sei lá... quando de repente vejo passar uns quantos militares por mim e penso que afinal é verdade, eles estão mesmo a falar a sério. Começo a andar pelas ruas, acabei por ir parar ao Terreiro do Paço já era quase manhã, quando vi militares entendi que era ali que tudo ia começar.
Comecei a ver pessoas a sair, Lisboa tinha acordado para 1º dia do resto das nossas vidas.
Os militares impediam a passagem de quem vinha trabalhar, os poucos comerciantes que abriram, no fim da manhã acabaram por fechar portas. O povo estava na rua, por toda a parte ouvia-se “Abaixo o Fascismo! Vitória, Vitória! O Povo Unido jamais será vencido!” (...)
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